quarta-feira, 9 de outubro de 2019

DOIS JESUSES

No início do novo milênio, duas forças religiosas entraram em conflito dentro da mesma arena. Jesus e Jesus.
Apesar de terem o mesmo nome e esse nome apontar para o mesmo significado e mesma imagem mística, os dois se constituem como pessoas completamente distintas.
Enquanto um deles possui representantes obsoletos e fora da mídia, como padres e pastores protestantes, que o anunciam nos púlpitos, nas praças e nas casas, o outro possui representantes contextualizados, como apóstolos, bispos e missionários, bem como cantores, bandas e grupos musicais, que se encontram completamente em voga nos sites, blogs, jornais, emissoras de rádio e televisão, e que o anunciam em shows, convenções e campanhas que acontecem em hotéis luxuosos, grandes ginásios, templos suntuosos e estádios de futebol.
Um deles proporciona sucesso aos fracassados, trazendo sorte nos negócios, distribuindo automóveis com seus adesivos característicos do tipo: “Deus é fiel” ou “a serviço do rei Jesus”, ou ainda “tudo posso naquele que me fortalece”. Ele também promove o crescimento econômico dos seus protegidos, abrindo lojas, farmácias, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais àqueles que têm ousadia e coragem de desafiá-lo numa prova economicamente suicida, que consiste em dar tudo o que se possui para receber cem vezes mais. O outro quer que as pessoas vivam vidas simples, se contentando com o que têm e agradecendo pelo pouco que recebem, sem murmurações e palavras negativas típicas dos tempos de crise.
Um fornece proteção completa contra toda sorte de males, como: violência, crise financeira, doenças leves ou graves, simples ou complexas, como também protege da inveja, macumba, olho gordo, fofoca, feitiçaria, bruxaria e intriga. Quando uma dessas coisas acontece, ele se levanta e chicoteia ou fere com espada o inimigo, que cai por terra, com a cara no pó, completamente envergonhado. Ele possui alguns títulos como “varão de guerra”, “poderoso na batalha”, “terrível”, “advogado”, “juiz”, “vingador” e “tremendo”. O outro admite a possibilidade de uma vida de crises e momentos difíceis de angústia e aflição, mas pede bom ânimo, ou seja, uma atitude positiva diante da dificuldade a fim de atravessá-la de forma não tão dramática. Também ensina a perdoar e amar o inimigo como forma de gratidão ao amor e perdão divino. Não possui títulos de efeito, mas se autodenomina “filho do homem” e questiona quando alguém o chama de “bom”. Quando realiza algo fantástico ou extraordinário, pede silêncio, contrição e gratidão.
Um só é fiel a quem é fiel a ele. Requer que os seus protegidos repassem dez por cento de todas as riquezas brutas que recebem, a fim de que a proteção e o sucesso sejam completos. Frequentemente desafia seus seguidores a uma doação movida por uma fé muito parecida com uma aplicação financeira de alta rentabilidade. O outro se diz fiel porque sua natureza é assim. Daí, quando alguém o trai, ele permanece fiel porque não pode negar sua natureza. Ao invés de dinheiro, prefere que as pessoas se lembrem de viver uma vida justa, cheia de fé e misericórdia, e se alguém quer mesmo fazer algum movimento financeiro, que seja para ajudar a quem precisa, sem esperar absolutamente nada em troca.
Um se apresenta sob o estardalhaço de seus representantes. O outro é manso e humilde e não gosta muito de aparecer. No meio desse embate ideológico e religioso estão as pessoas com suas imperfeições, mazelas, erros, sonhos, conquistas e carências. Tais pessoas almejam escolher um dos dois Jesuses para se identificarem com ele, e o ostentarem como seu guia, seu exemplo e referencial de vida, para que se sintam mais seguras e otimistas em relação à vida. Algumas pessoas não escolhem nenhum dos Jesuses, por medo, insegurança, decepção ou descrença. Outras afirmam escolher os dois. Algumas se perdem completamente num emaranhado de teologias criadas do nada ou distorcidas na ignorância. Outras tiram proveito da situação e enriquecem às custas dos seus semelhantes.
Enfim, está formado o caos apocalíptico e escatológico. Dois Jesuses em plena batalha diante de uma multidão de sedentos e inseguros, que se dizem saciados e firmes por causa da fé que possuem em seu respectivo Jesus. Que vença aquele que merecer.

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