PRÊMIO ANTONIO SALES NA XIII EXPO7
Eu tinha uma
dúvida. Uma duvidazinha simples, reles, fácil de ser respondida, porém era
daquelas dúvidas que ficam feito mosquito voando em volta do nariz da gente,
nos fazendo irrequietos, agitados, desconcentrados e (Por que não dizer?)
infelizes.
O dáblio, dáblio,
dáblio, ponto, portal da minha universidade, ponto, be-erre, já havia me
dito o que fazer, mas eu, genuíno espécime de transição do tempo em que ainda
se falava basic COBOL para o tempo em que só se fala emWindows Vista,
não confiei plenamente no que me dizia o portal. E se não for assim? E se
houver outra possibilidade? E se eu acabar me prejudicando? É claro que o
portal nunca erra! Um portal é mais que um oráculo, pois ali está o seu
presente, passado e futuro! Todavia uma duvidazinha sussurrando palavras de
duvidazinhas em nossa orelha, feito um mosquito voando em volta do nariz da
gente, possui muito poder. O poder de nos fazer criar um caos, onde só havia um
ventinho soprando; um tsunami, onde só havia uma goteira pingando. Ainda mais
quando a certeza vem de um tal de dáblio, dáblio, dáblio, ponto, portal sei lá
de quê, e adentra ouvidos e mente de alguém que é do tempo em que ainda se
falava basic COBOL. Quando isso acontece, não há uma relação de
confiança. Uma pessoa do tempo em que ainda se falava basic COBOL jamais confia
cegamente num dáblio, dáblio, dáblio, ponto, portal. Para esses momentos, nada
melhor que o bom e velho telefone. Telefone, aparelho eletroacústico que
permite a transformação, no ponto transmissor, de energia acústica em energia elétrica e, no ponto receptor, a
transformação da energia elétrica em acústica, permitindo desta forma a troca
de informações, falada e ouvida, entre dois ou mais indivíduos. Esse não mente!
Esse tem o poder de dar a informação precisa naqueles momentos de dúvida onde
um dáblio, dáblio, dáblio, ponto, portal da só meia informação ou, no mínimo,
deixa margens para dúvidas.
Liguei para o ramal
7609, pois dona Palmirinha iria me ajudar. A sábia senhora detém, na sua
simplicidade, uma grande sabedoria. Garfield atendeu:
— Sala da
sabedoria, bom dia!
— Palmirinha, por
favor?
— Palmirinha está
na xerox ou na biblioteca.
— Talvez você possa
me ajudar....
Fui bruscamente
interrompido como se estivesse falando palavras obscenas.
— Não, não. Só com
ela mesmo...
— Mas eu ainda não
falei, amigo.
— Mas é só ela quem
resolve mesmo.
—Ela demora?
—Não sei. Liga pro
7440.
Mais oito notas
musicais soaram no teclado do meu telefone. Ocupado. Tentei de novo a
Palmirinha, no 7609, Garfield de novo na linha:
— Palmirinha
chegou?
—Chegou. Palmirinhaaaaaaaaaa...
telefone.
— Sala da
sabedoria, bom dia!
— Eu tenho uma
dúvida. Será que posso fazer assim e assim?
Palmirinha, no
centro das luzes de sua sabedoria, me respondeu.
— Olha, eu acho que
pode. Mas é bom você ter certeza. Nunca se sabe. Liga pra sala da justiça, no
7458, e fala com a coordenadora Diana Prince, a Wonderful Woman. Ela sabe.
Que palavras
confortadoras! Que sabedoria! Tudo o que eu precisava ouvir nessa hora eram as
expressões: “eu acho”, “é bom você ter certeza” e “nunca se sabe”.
Mais oito notas
musicais soaram desarmônicas no teclado do meu telefone. O 7458 estava ocupado.
Aflito, recorri novamente ao dáblio, dáblio, dáblio, ponto, portal da minha
universidade, ponto, be-erre, porque ali, havia um labirinto que levava ao
portal dos telefones. Uma passagem secreta conhecida por poucos que continha o
segredo das comunicações telefônicas. Alguma digitação e alguns cliques
no mouse e ali estava eu: diante da magia das comunicações, a página
que continha os telefones dos respectivos setores de ajuda aos duvidosos. A
página continha verdadeiras preciosidades, como ramais em sequência: 7452,
7453, 7454, ou 7353, 7354, 7355. Alguns mais complexos como 7886, 7887, 7888,
7889, e outros mais simples como 7457 e 7458. Liguei para o 7354: ocupado.
Depois para o 7428: chamou e ninguém atendeu. Retornei ao 7354: chamou e
ninguém atendeu. Tentei de novo o 7428: ocupado. Desesperado, liguei todos os
números da lista que estava diante de mim, até que um atendeu:
— Tenho uma dúvida.
— Desculpa, dúvidas
são respondidas no 7458, com Diana Prince.
— Mas está ocupado.
— Eu sei, está tudo
congestionado por lá.
— E o que eu faço?
— Fica tentando.
— Mas eu estou
tentando desde a manhã.
— Olha, amigo, eu
não costumo fazer isso, mas como você parece ser gente boa, eu vou abrir uma
exceção. Vou te dar o número do rapaz que trabalha vizinho à Diana Prince. Você
liga para ele e manda chamar ela, mas não diz que fui eu quem deu o número. É no
7457.
— Muito obrigado,
não sei como agradecer.
— Ora, não foi
nada! Eu estou aqui para isso mesmo! Disponha!
Eu havia feito a
minha primeira tentativa de resolução com Palmirinha, às 9 horas e 15 minutos,
daquela linda manhã de sol, mas o sol já estava encerrando seu expediente, pois
já eram 16 horas e 45 minutos. Resolvi encerrar também o meu expediente, com
uma última ligação, dessa vez, para o lugar onde eu havia começado: o gabinete
da Palmirinha, no 7609. Oito sons no teclado do meu telefone, e o Garfield já
falava comigo:
— Sala da
sabedoria, bom dia!
— Garfield, chama a
Palmirinha, por favor.
— Palmirinha
trabalhou de manhã. Quando ela trabalha de manhã ela folga de tarde.
— Você pode me
ajudar? Tenho uma dúvida.
— Não. Só com ela
mesmo.
— O que eu faço,
então?
— Liga amanhã.
— Amanhã?
— Mas não liga de
manhã, não. Liga de tarde. Quando ela trabalha num dia de manhã, no outro ela
só vem de tarde. Liga depois das 16 horas que ela já voltou da xerox.
Indignado e
desesperado, fiz uma última tentativa. Aquela que você sabe que não vai dar
certo, mas não se incomoda porque passou o dia em tentativas vãs. Resolvi
arriscar o 7458. Isso mesmo, Diana Prince. Eu já não tinha mais nada a perder,
e afinal de contas, uma discagem a mais ou a menos, não ia fazer diferença.
Mais oito sons desarmônicos. Dei sorte. Uma sorte imensa, dessas que a gente
tem vontade de largar tudo e arriscar uma Mega. Diana Prince, ao vivo, do
outro lado da linha.
— Diana falando, em
que posso ser útil?
— Tenho uma dúvida.
— Eu já sei, e se
resolve assim e assim.
Que impacto! Que
precisão! Que pragmatismo! Que impavidez! Foi como ser ricocheteado como uma
bala pelas pulseiras douradas, amarrado pelo laço mágico, ser jogado no avião
invisível, ser transportado para Temiscira, a ilha do Paraíso, e ainda ter
visto as amazonas filhas da grande Hera. Uma sensação de frescor me invadiu a
alma, um sorriso se abriu em meu rosto e um brilho estranho tomou conta dos
meus olhos. Voz trêmula e rouca eu disse ao telefone.
—Muito obrigado.
E chorei. Chorei
porque Diana Prince não é Bruce Wayne. Isso mesmo. Diana Prince é uma burocrata
cercada de incompetentes que não sabem dizer outra coisa a não ser: “isso não é
comigo, é com a Diana Prince”. É como se tivesse um milhão de assessores, que
na sua frente sorriem e dizem: “estamos com você para o que der e o que vier”,
mas pelas suas costas dizem: “isso não é comigo, é com a Diana Prince”. Pobre
Diana. Se ela fosse o Bruce Wayne não precisaria sair de sua casinha lá no
conjunto, no seu Pálio cinza, e todos os dias rumar para o ninho da burocracia,
e tentar resolver o problema dos pobres mortais, como eu, que ainda sou do
tempo em que ainda se falava basic COBOL. Ela se assentaria no sofá do
salão principal da mansão, leria tranquilamente o seu jornal, fumaria um bom
charuto enquanto saborearia seu chá quentinho trazido pelo Alfred, tranquila
porque saberia que o batmovel estará sempre na garagem da batcaverna,
e só se moveria para resolver algum problema quando ouvisse soar a linha
vermelha do comissário Gordon, que chama sempre que o mesmo tem alguma dúvida.
Diana não merece
padecer aos poucos no ninho da burocracia, sugada por assessores que não sabem
dizer nada a não ser: “isso não é comigo, é com a Diana Prince”. Diana merece o
palácio, o jornal, o chá, o batmovel e principalmente a linha
vermelha, porque é mais atenciosa que seus assessores, mais ágil que o
Garfield, e muito mais sábia que a Palmirinha.
Dorme em paz, Diana. Amanhá o telefone tocará incessantemente e você esguichará sabedoria por todos os cabos de fibra ótica da cidade, trazendo alegria e alívio às almas dos milhares de mortais como eu, que são do tempo em que ainda se falava basic COBOL e por isso só conseguem confiar na voz tranquila e segura que emana do 7458.
Dorme em paz, Diana. Amanhá o telefone tocará incessantemente e você esguichará sabedoria por todos os cabos de fibra ótica da cidade, trazendo alegria e alívio às almas dos milhares de mortais como eu, que são do tempo em que ainda se falava basic COBOL e por isso só conseguem confiar na voz tranquila e segura que emana do 7458.