O aeroporto estava lotado. Era janeiro e as pessoas buscavam descanso sob
o intenso sol de verão nas praias da cidade.
No meio da multidão uma faixa: Renée, seja bem-vindo. A faixa estava meio
torta, como que segurada por duas pessoas de tamanhos diferentes, o que a
destacava mais ainda no tumulto do saguão de desembarque.
A aeronave que chegara de São Paulo estava no pátio e as pessoas se
aglomeravam no lado de dentro do saguão procurando suas bagagens na esteira e
isso aumentava consideravelmente a espera e a intensidade da ansiedade de quem
esperava do lado de fora, principalmente os que seguravam a faixa, confeccionada
especialmente para Renée.
A porta automática abria e fechava sob as ordens de um sensor ativado
pelo vai e vem dos recém-chegados. Quanta espera! Quanta ansiedade! A aeronave
no pátio e nada de Renée.
Sob a faixa um adolescente de uns doze anos, talvez, bermuda em tom
pastel e camiseta com algum herói da tela do cinema. Uma jovenzinha de
prováveis dez anos, camiseta cor-de-rosa, é claro, tênis branco combinando com
a bermuda, cabelos compridos e desalinhados, testa suada, resultado das
estripulias no espaçoso saguão do aeroporto. Uma senhora de idade difícil de
ser arriscada, alguma coisa entre trinta e cinco e cinqüenta e cinco, talvez
jovem sofrida demais, talvez de uma boa idade com ares joviais. Estava um pouco
acima do peso, cabelos lisos e compridos, tingidos de um louro reluzente,
desproporcionais ao seu corpo e altura, blusa de lycra fina bege, bermuda
branca e tamancos. Tamancos brancos. Era ela, a senhora, que organizava a
recepção de Renée. Afastava a faixa para lá ou para cá, tomando o cuidado de
posicioná-la da melhor maneira, para que quando Renée chegasse, não tivesse
dúvidas de que a faixa era para ele, viajante de regresso merecedor da
homenagem, esperado, amado e porque não dizer: desejado.
O clima de festa misturava-se com a tensão do encontro e o cansaço da
espera quando, num momento mágico, a porta se abriu. Não se abriu levianamente,
como se abre uma porta qualquer, mas se abriu solenemente, lentamente,
automaticamente, acionada pelo corpo de Renée, que dela se aproximava, forçando
sua abertura sem toques, sem fios, magneticamente.
Renée cruzou a passagem revelada pela porta automática empurrando um
carrinho com suas malas e mochilas. Era um adolescente de uns quinze ou
dezesseis anos, cabelos curtos e negros, topete discreto, pele cuidadosamente escanhoada
com algum aparelho de múltiplas lâminas, camiseta bege, calça branca e um tênis
não muito novo. Era um jovem aparentemente discreto, mas notadamente tímido,
que corou, enrubesceu, avermelhou como um índio americano quando viu a mal feita
coreografia da faixa e companhia.
“Renée, seja bem-vindo”, gritou o pequeno coral de três vozes,
desarmonicamente, desafinadamente, desconcertantemente. O jovem viajante
abaixou a vista, tentou enfiar a cabeça no buraco, mas buraco não havia no brilhante
e encerado piso do aeroporto, tentou voar como quem toma aquele famoso
energético no comercial da televisão, mas aquilo era só um comercial, tentou
fugir, mas não tinha para onde, então, lentamente empurrou seu carrinho na
direção daquele grupo mambembe e como um legítimo mamulengo se deixou manusear
pelos seus anfitriões, para um lado e para o outro, para cima e para baixo.
Abraços para lá, beijos para cá, o jovem eufórico pulando em sua frente
enquanto a jovenzinha pendurava-se em seu braço teso de empurrar o carrinho com
as malas. Renée continuava sua caminhada impávido rumo à porta de saída do
aeroporto, trêmulo de vergonha e timidez. Mas não a nada ruim que não possa
piorar. Aquilo que é mal agora pode ficar péssimo em questão de segundos. A
festa acabara. Os folguedos cessaram. Agora o jovem adolescente carregava a
faixa sozinho tentando enrolá-la no meio do aeroporto. A jovenzinha tentava
ajudar abaixando-se para tentar pegar a cordinha da faixa. É notório que nunca
tinham enrolado sequer um canudo de papel, quanto mais uma faixa de boas
vindas. Renée continuava sua jornada. A senhora fechou o semblante e num tom
ríspido bradou: — Enrola essa faixa menino! Não ta vendo que a corda está
arrastando no chão? Presta atenção, diabo! “Tá” dormindo? Enrola logo!
Pronto. A família
estava reunida de novo. A rotina fora retomada. A secura da mulher talvez
descasada, talvez mal-amada, autoritária, dominadora, possessiva e triste novamente
permeava os ares da família que agora reassumia seu verdadeiro semblante. Um
semblante triste, vazio, opaco. Renée cruzou primeiro a porta de saída do aeroporto.
A mulher saiu em seguida. A jovenzinha agora muda e triste. O adolescente
desolado, mudo, triste, com uma faixa enrolada sob a axila direita. Fim de
férias, fim de passeio, fim da alegria.
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