quarta-feira, 3 de abril de 2013

RENÉE, SEJA BEM-VINDO


O aeroporto estava lotado. Era janeiro e as pessoas buscavam descanso sob o intenso sol de verão nas praias da cidade.
No meio da multidão uma faixa: Renée, seja bem-vindo. A faixa estava meio torta, como que segurada por duas pessoas de tamanhos diferentes, o que a destacava mais ainda no tumulto do saguão de desembarque.
A aeronave que chegara de São Paulo estava no pátio e as pessoas se aglomeravam no lado de dentro do saguão procurando suas bagagens na esteira e isso aumentava consideravelmente a espera e a intensidade da ansiedade de quem esperava do lado de fora, principalmente os que seguravam a faixa, confeccionada especialmente para Renée.
A porta automática abria e fechava sob as ordens de um sensor ativado pelo vai e vem dos recém-chegados. Quanta espera! Quanta ansiedade! A aeronave no pátio e nada de Renée.
Sob a faixa um adolescente de uns doze anos, talvez, bermuda em tom pastel e camiseta com algum herói da tela do cinema. Uma jovenzinha de prováveis dez anos, camiseta cor-de-rosa, é claro, tênis branco combinando com a bermuda, cabelos compridos e desalinhados, testa suada, resultado das estripulias no espaçoso saguão do aeroporto. Uma senhora de idade difícil de ser arriscada, alguma coisa entre trinta e cinco e cinqüenta e cinco, talvez jovem sofrida demais, talvez de uma boa idade com ares joviais. Estava um pouco acima do peso, cabelos lisos e compridos, tingidos de um louro reluzente, desproporcionais ao seu corpo e altura, blusa de lycra fina bege, bermuda branca e tamancos. Tamancos brancos. Era ela, a senhora, que organizava a recepção de Renée. Afastava a faixa para lá ou para cá, tomando o cuidado de posicioná-la da melhor maneira, para que quando Renée chegasse, não tivesse dúvidas de que a faixa era para ele, viajante de regresso merecedor da homenagem, esperado, amado e porque não dizer: desejado.
O clima de festa misturava-se com a tensão do encontro e o cansaço da espera quando, num momento mágico, a porta se abriu. Não se abriu levianamente, como se abre uma porta qualquer, mas se abriu solenemente, lentamente, automaticamente, acionada pelo corpo de Renée, que dela se aproximava, forçando sua abertura sem toques, sem fios, magneticamente.
Renée cruzou a passagem revelada pela porta automática empurrando um carrinho com suas malas e mochilas. Era um adolescente de uns quinze ou dezesseis anos, cabelos curtos e negros, topete discreto, pele cuidadosamente escanhoada com algum aparelho de múltiplas lâminas, camiseta bege, calça branca e um tênis não muito novo. Era um jovem aparentemente discreto, mas notadamente tímido, que corou, enrubesceu, avermelhou como um índio americano quando viu a mal feita coreografia da faixa e companhia.  “Renée, seja bem-vindo”, gritou o pequeno coral de três vozes, desarmonicamente, desafinadamente, desconcertantemente. O jovem viajante abaixou a vista, tentou enfiar a cabeça no buraco, mas buraco não havia no brilhante e encerado piso do aeroporto, tentou voar como quem toma aquele famoso energético no comercial da televisão, mas aquilo era só um comercial, tentou fugir, mas não tinha para onde, então, lentamente empurrou seu carrinho na direção daquele grupo mambembe e como um legítimo mamulengo se deixou manusear pelos seus anfitriões, para um lado e para o outro, para cima e para baixo. Abraços para lá, beijos para cá, o jovem eufórico pulando em sua frente enquanto a jovenzinha pendurava-se em seu braço teso de empurrar o carrinho com as malas. Renée continuava sua caminhada impávido rumo à porta de saída do aeroporto, trêmulo de vergonha e timidez. Mas não a nada ruim que não possa piorar. Aquilo que é mal agora pode ficar péssimo em questão de segundos. A festa acabara. Os folguedos cessaram. Agora o jovem adolescente carregava a faixa sozinho tentando enrolá-la no meio do aeroporto. A jovenzinha tentava ajudar abaixando-se para tentar pegar a cordinha da faixa. É notório que nunca tinham enrolado sequer um canudo de papel, quanto mais uma faixa de boas vindas. Renée continuava sua jornada. A senhora fechou o semblante e num tom ríspido bradou: — Enrola essa faixa menino! Não ta vendo que a corda está arrastando no chão? Presta atenção, diabo! “Tá” dormindo? Enrola logo!
      Pronto. A família estava reunida de novo. A rotina fora retomada. A secura da mulher talvez descasada, talvez mal-amada, autoritária, dominadora, possessiva e triste novamente permeava os ares da família que agora reassumia seu verdadeiro semblante. Um semblante triste, vazio, opaco. Renée cruzou primeiro a porta de saída do aeroporto. A mulher saiu em seguida. A jovenzinha agora muda e triste. O adolescente desolado, mudo, triste, com uma faixa enrolada sob a axila direita. Fim de férias, fim de passeio, fim da alegria.

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