sábado, 15 de outubro de 2016

DIA DO PROFESSOR

Eu só tive bons professores. Aos maus, eu não reputo tão honrado título.
Os bons me acolheram com paciência e sabedoria, dividiram comigo o resultado de seus esforços e alguns se tornaram amigos.
A lista é grande: tem a minha mãe, que me ensinou a ler, meu pai que me ensinou a dirigir, meu irmão que ainda hoje me ensina a ser irmão, meus tios, que me ensinaram sobre minha família, mas fora do eixo parental, tem aqueles que foram remunerados para me ensinar e aqui, só os bons merecem referência, porque mesmo pagos, me deram mais do que as suas remunerações pediam.
Mas como escolher o melhor? Simples! Aquele por quem você tem mais carinho, gratidão e saudade; aquele que salta das portas e janelas de sua memória todas as vezes que você pensa em professor e aquele que te ensinou coisas que ainda hoje você sabe e usa o que aprendeu. Particularmente, considero esses quesitos na hora de escolher meu melhor professor. No meu caso, uma professora. Uma professora de teoria musical. Mas ela não é a melhor por acaso.
Quando entrei pela primeira vez em sua sala, havia todo um contexto para que ela fosse a melhor: eu estava ali porque queria aprender música, e havia ganho essa matrícula do meu pai como um prêmio por minhas notas na escola. Estava sedento por tocar e cantar e para isso eu tinha que aprender teoria musical. Toda a minha emoção estava entrando naquela sala naquele dia de março, naquele  ano, 1977. Estava na adolescência e os planos para o futuro eram um tanto quanto confusos e não haviam certezas em mim, salvo a certeza do fato de que eu queria aprender música. Então, quando se é jovem e só se tem uma certeza na vida, a janela do aprendizado se abre para essa certeza.
Era uma sala com menos de dez alunos, carteiras velhas, uma lousa verde com linhas brancas pintadas, um ventilador barulhento e um piano antigo. O ambiente cheirava a mofo e os janelões, quase sempre fechados, davam a impressão de antiguidade e velharia por todo o ambiente. A luz era escura e o teto altíssimo, forrado com uma madeira em decomposição e de alinhamento retorcido, dado o calor e a umidade vinda das infiltrações. A sala era vizinha à cantina e sempre tinha um cheiro de café com gordura nas nossas narinas durante a tarde.  Achei  tudo muito estranho, porque esperava luzes e cores em tudo, como todo bom adolescente espera. Mas vejam que interessante: as luzes e as cores não estavam sob meus olhos, mas nos meus ouvidos.
No horário da aula a professora chegou, jovem, com um brilho nos olhos de quem sabe o que vai dizer, pequenina, magra, com óculos de grau de aro quadrado, lentes grossas escondendo um azul penetrante, que se não fossem os óculos invadiam a alma da gente, cabelos curtos e lisos, uma saia comprida, camiseta e algumas bijuterias meio hippies. Ela apresentou-se, sentou-se ao piano e começou a falar sobre harmonia, melodia e ritmo, representando os sons do mundo em seus dedos precisos sobre as brancas e as pretas debaixo daquela tampa de madeira. Ela disse que podíamos representar os pensamentos nos sons e, como exemplo, nos fez pensar numa catedral enquanto que no piano, tocou os sons da catedral. Não, eu não chorei naquele dia. Estava fascinado demais para isso, mas hoje, é difícil me lembrar daqueles sons sem chorar de emoção. Mal sabia ela que ao tocar os sinos daquela catedral, ela estava abrindo os portões de um mundo mágico e novo para mim, um lugar tão bom e tão especial, que ao longo da vida eu correria para lá por muitas vezes. Umas para celebrar, outras para chorar e lamentar e outras para construir. Nunca um ensinamento havia se impregnado tão intensamente em mim como as coisas que aprendi naquele ano, emocionantemente encerrado com uma peça em conjunto, João e Maria de Chico Buarque e Sivuca, comigo e um colega  no violão e os demais na percussão, com chocalhos e pauzinhos de madeira, marcando o compasso ternário daquela valsa . Aquele ano terminou para mim me dando a certeza de que “agora eu era o herói”.
O tempo passou, e como disse o Zeca, “a gira girou” e muitas vezes, aquelas aulas de teoria foram repetidas para jovens e adolescentes no Nordeste, no Norte e no Sul, ora por necessidade, ora por solidariedade. E hoje, violonista de boteco e pianista medíocre, me lembro da pianista do filme do Benjamim Button, quando disse a ele que “não importa o quanto se sabe tocar, mas importa o que se sente quando se toca”. E hoje, quando toco e canto, sou grato por toda a vida à minha professora de teoria musical, Elvira Drumond.
Peço a Deus que ela viva muito e muito bem, em plena atividade docente, salvando crianças da dor, das drogas e da violência, mostrando a elas os portais do mundo mágico da música, formando pianistas, violinistas, flautistas, maestros  e, num dia muitíssimo distante, quando ela for para o céu, que o Rei Davi esteja à porta esperando por ela e diga, entra, professora, porque o louvor aqui está precisando de afinação, há um problema com as harpas e parece que Asaf resolveu semitonar com sua flauta. Por favor, dê um jeito nisso porque eu já estou sem paciência! E assim, eternamente ela seja a Tia Elvira, professora, mestra, ensinadora, em sua plena essência universal.

Feliz dia do professor, tia! Este antigo aluno aqui, agradece a Deus por sua vida.

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