Eu só tive bons professores. Aos maus, eu não reputo tão
honrado título.
Os bons me acolheram com paciência e sabedoria, dividiram
comigo o resultado de seus esforços e alguns se tornaram amigos.
A lista é grande: tem a minha mãe, que me ensinou a ler, meu
pai que me ensinou a dirigir, meu irmão que ainda hoje me ensina a ser irmão,
meus tios, que me ensinaram sobre minha família, mas fora do eixo parental, tem
aqueles que foram remunerados para me ensinar e aqui, só os bons merecem
referência, porque mesmo pagos, me deram mais do que as suas remunerações
pediam.
Mas como escolher o melhor? Simples! Aquele por quem você tem mais
carinho, gratidão e saudade; aquele que salta das portas e janelas de
sua memória todas as vezes que você pensa em professor e aquele que te ensinou coisas que ainda hoje você sabe e usa o que aprendeu. Particularmente, considero esses quesitos na hora de escolher meu melhor professor. No meu caso, uma professora.
Uma professora de teoria musical. Mas ela não é a melhor por acaso.
Quando entrei pela primeira vez em sua sala, havia todo um contexto
para que ela fosse a melhor: eu estava ali porque queria aprender música, e
havia ganho essa matrícula do meu pai como um prêmio por minhas notas na
escola. Estava sedento por tocar e cantar e para isso eu tinha que aprender
teoria musical. Toda a minha emoção estava entrando naquela sala naquele dia de
março, naquele ano, 1977. Estava na
adolescência e os planos para o futuro eram um tanto quanto confusos e não
haviam certezas em mim, salvo a certeza do fato de que eu queria aprender
música. Então, quando se é jovem e só se tem uma certeza na vida, a janela do
aprendizado se abre para essa certeza.
Era uma sala com menos de dez alunos, carteiras velhas, uma
lousa verde com linhas brancas pintadas, um ventilador barulhento e um piano
antigo. O ambiente cheirava a mofo e os janelões, quase sempre fechados, davam
a impressão de antiguidade e velharia por todo o ambiente. A luz era escura e o teto altíssimo, forrado com uma madeira em decomposição e de alinhamento retorcido, dado o calor e a umidade vinda das infiltrações. A sala era vizinha à cantina e sempre tinha um cheiro de café com gordura nas nossas narinas durante a tarde. Achei tudo muito estranho,
porque esperava luzes e cores em tudo, como todo bom adolescente espera. Mas
vejam que interessante: as luzes e as cores não estavam sob meus olhos, mas nos
meus ouvidos.
No horário da aula a professora chegou, jovem, com um brilho
nos olhos de quem sabe o que vai dizer, pequenina, magra, com óculos de grau
de aro quadrado, lentes grossas escondendo um azul penetrante, que se não
fossem os óculos invadiam a alma da gente, cabelos curtos e lisos, uma saia
comprida, camiseta e algumas bijuterias meio hippies. Ela apresentou-se,
sentou-se ao piano e começou a falar sobre harmonia, melodia e ritmo,
representando os sons do mundo em seus dedos precisos sobre as brancas e as
pretas debaixo daquela tampa de madeira. Ela disse que podíamos representar os
pensamentos nos sons e, como exemplo, nos fez pensar numa catedral enquanto que
no piano, tocou os sons da catedral. Não, eu não chorei naquele dia. Estava
fascinado demais para isso, mas hoje, é difícil me lembrar daqueles sons sem
chorar de emoção. Mal sabia ela que ao tocar os sinos daquela catedral, ela
estava abrindo os portões de um mundo mágico e novo para mim, um lugar tão bom
e tão especial, que ao longo da vida eu correria para lá por muitas vezes. Umas
para celebrar, outras para chorar e lamentar e outras para construir. Nunca um
ensinamento havia se impregnado tão intensamente em mim como as coisas que
aprendi naquele ano, emocionantemente encerrado com uma peça em conjunto, João
e Maria de Chico Buarque e Sivuca, comigo e um colega no violão e os demais na percussão, com
chocalhos e pauzinhos de madeira, marcando o compasso ternário daquela valsa .
Aquele ano terminou para mim me dando a certeza de que “agora eu era o herói”.
O tempo passou, e como disse o Zeca, “a gira girou” e muitas
vezes, aquelas aulas de teoria foram repetidas para jovens e adolescentes no
Nordeste, no Norte e no Sul, ora por necessidade, ora por solidariedade. E
hoje, violonista de boteco e pianista medíocre, me lembro da pianista do filme
do Benjamim Button, quando disse a ele que “não importa o quanto se sabe tocar,
mas importa o que se sente quando se toca”. E hoje, quando toco e canto, sou
grato por toda a vida à minha professora de teoria musical, Elvira Drumond.
Peço a Deus que ela viva muito e muito bem, em plena
atividade docente, salvando crianças da dor, das drogas e da violência,
mostrando a elas os portais do mundo mágico da música, formando pianistas,
violinistas, flautistas, maestros e, num
dia muitíssimo distante, quando ela for para o céu, que o Rei Davi esteja à
porta esperando por ela e diga, entra, professora, porque o louvor aqui está
precisando de afinação, há um problema com as harpas e parece que Asaf resolveu
semitonar com sua flauta. Por favor, dê um jeito nisso porque eu já estou sem
paciência! E assim, eternamente ela seja a Tia Elvira, professora, mestra,
ensinadora, em sua plena essência universal.
Feliz dia do professor, tia! Este antigo aluno aqui,
agradece a Deus por sua vida.
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