Eram nove e pouco da manhã e eu precisava ir
ao Aeroporto de Congonhas. Havia dispensado o café da manhã do hotel para
aproveitar os últimos momentos felizes de padaria em São Paulo, me regalando
com um bauru, um sonho e uma média e e agora esperava o táxi com as malas na
calçada.
Um carro popular parou ao meu lado e o
motorista identificou-se como meu condutor para o aeroporto. Logo na saída, o
homem mostrou-se desinibido, extrovertido, falante e simpático e me fez saber o
trajeto que tomaríamos e o porquê da escolha.
– Nós vamos pela 23 porque o trânsito é
melhor! E logo em seguida, fez uma breve preleção sobre o trânsito de São Paulo
e, claro, colocou a culpa nos governos estaual, municipal e federal. Todavia,
diferentemente das pessoas que só sabem reclamar, o nobre taxista não só tinha
a solução para o problema, como já havia feito tal solução chegar aos ouvidos
das autoridades governamentais, do executivo, diga-se de passagem. E fez isso
sem usar a internet, os correios ou um “disque-denúncia” qualquer. O nobre
condutor usou a via mais direta de comunicação existente: a sua voz e os
ouvidos de Paulo Maluf e Geraldo Alckimin.
– Eu faço ponto lá perto do palácio e de vez
em quando, quando a gente “tá” jogando dominó, o Paulo Maluf e o Geraldo
Alckimin aparecem pra jogar uma partida com a gente e eu sempre “recramo” com
eles. Quando o Maluf chega lá no ponto a gente brinca com ele dizendo: Segura a
carteira! Eu até já levei o Maluf lá na casa da minha mãe no Itaim e disse a
ele: “taí” – a “véia” tá precisando de uma “carrada de tijolo”, e ele arranjou.
Outro dia eu levei o Geraldo Alckimin lá em casa, “prá” tomar um café, e eu
disse pra ele: “Gerardo”, porque ele gosta que chame ele de “Gerardo”, vê se
termina logo essas “obra” da Radial e ele disse: rapaz, tá difícil! Essas
“empreiteira tão mim deixano doido!”.
E assim, nessa conversa, que mais tinha a ver
com monólogo do que com diálogo, a pequena viagem até o aeroporto se passou sem
que eu percebesse. Me despedi, paguei a corrida, peguei minhas malas e fui para
a sala de embarque refletir sobre a maravilhosa capacidade que os brasileiros
têm de suprimir e simplificar nomes. O saudosíssimo e insubstituível Chico
Anysio já dizia, ná década de 1970, que “o sujeito se chama Wilson Simonal até
mudar para o Rio de Janeiro, depois ele vira Simona, Simo, Si, S... se o Papa
viesse morar no Brasil, quando ele passasse naquele carro pontifício, alguém
gritava: - Fala santidade! Garoto bom tá ali!”. É Chico, eu acho que essa mania
já saiu das fronteiras do Rio e tomou conta de todo o País, porque a gente
compra “cd do Roberto”, ve a “corrida do Massa”, o “BBB do Bial” e ouve o
“pronunciamento da Dilma”, falando sobre o “Temmer” e o “Sarney”. Juramos que o
“Lula” não sabia nada sobre o “Dirceu” e o “Genoíno”. Somos bem diferentes dos
ingleses que chamam o “Paul dos Beatles” de Sir Paul McCartney e o “007 velho”
de Sir Sean Conery. Temos essa necessidade de reduzir os nomes, não porque
desejamos economizar alguma coisa inexpressiva como linhas, saliva ou palavras,
mas porque temos essa necessidade tupiniquim e provinciana de sermos
importantes, de sermos íntimos das celebridades e de que elas sejam “de casa”,
adentrando o lar de nossa mãezinha para dar uma “carrada de tijolo” ou no banco
de passageiros do nosso carro. Talvez seja um sentimento de abandono, de
orfandade ou solidão, talvez seja característica de lugares onde as pessoas
anseiam por igualdade, justiça, cuidado, não sei ao certo.
Dale Carnegie escreveu no seu famoso “Como
Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”, que as duas coisas que mais motivam a alma
humana são: a necessidade sexual e o desejo de ser importante, e como o ser
humano gosta de ser importante! Essa faceta da alma parece se acentuar quando
se trata do comum artigo “brasileiro”. Há uma urgência nacional coletiva em se
ser notado, visto, falado e comentado e, se não é possível ser uma celebridade,
é preciso ser amigo de uma, ou ao menos ter um irmão ou cunhado que conheça
uma, para que essa sensação de importância seja satisfeita.
Certa vez vi Paulo Maluf, então prefeito de São Paulo prestigiando uma exposição de calçados no Anhembi. Ele atravessou os corredores e entrou nos estandes cercado de seguranças e sequer olhou dos lados. Havia um cercado humano que preservava o seu raio de ação. Não vi Geraldo Alkimin pessoalmente ainda, mas sempre que o vejo na TV, fico imaginando a impossibilidade daquele homem, de educação e fala refinadas, sorriso contido, jeitão tímido, mesmo em campanha, entrar num taxi para tomar café na casa do motorista. Chego até mesmo a pensar que talvez haja dias em que eles queiram ser somente Paulo e Geraldo, dois anônimos, com direito a compras no shopping, a passeios pelas praças, corridas nos parques, domingão com a família no zoológico, mas sem café, sem dominó, sem tijolos, sem amigos taxistas ou até mesmo jogando dominó num boteco com um taxista faroleiro enquanto toma um cafezinho num copo de pinga mal lavado.
Certa vez vi Paulo Maluf, então prefeito de São Paulo prestigiando uma exposição de calçados no Anhembi. Ele atravessou os corredores e entrou nos estandes cercado de seguranças e sequer olhou dos lados. Havia um cercado humano que preservava o seu raio de ação. Não vi Geraldo Alkimin pessoalmente ainda, mas sempre que o vejo na TV, fico imaginando a impossibilidade daquele homem, de educação e fala refinadas, sorriso contido, jeitão tímido, mesmo em campanha, entrar num taxi para tomar café na casa do motorista. Chego até mesmo a pensar que talvez haja dias em que eles queiram ser somente Paulo e Geraldo, dois anônimos, com direito a compras no shopping, a passeios pelas praças, corridas nos parques, domingão com a família no zoológico, mas sem café, sem dominó, sem tijolos, sem amigos taxistas ou até mesmo jogando dominó num boteco com um taxista faroleiro enquanto toma um cafezinho num copo de pinga mal lavado.
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